Um texto sobre Big Brother Brasil, construção de narrativas e o papel social da televisão.

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Em meio às discussões sobre BBB, Laércio e Ana Paula. Resolvi me manifestar aqui, com essa postagem inaugural. Li muitos dos comentários de pessoas que abominam o programa e a emissora Globo, devo confessar que não assisto BBB – mas não pelas razões mais comuns, a verdade é que eu apenas prefiro assistir a vida de personagens totalmente fictícios, é menos confuso – embora tenha feito questão de resgatar algumas cenas entre os participantes em questão e examiná-las.

Antes de tudo, vamos revisar rapidamente o que aconteceu: Ana Paula (mulher cis), que antes havia dito na primeira semana de programa que o mundo deveria ser machista, começou reclamando porque Láercio (homem cis)não se envolvia nas atividade de limpeza da casa, mas na frente ela deixou claro não aceitar os comentários/olhares/gestos do brother. E quando o participante declarou se envolver com menores de idade, ela foi a única a taxá-lo com o nome que merece: – Pedófilo! Vamos cortar o fio da meada aqui por alguns segundos pra dizer: Ana, amiga, tu é feminista sim!  Ana Paula fez ainda algo complicado de se fazer, ela manteve sua posição, negando-se a se relacionar com o outro participante. E deixo claro que isso é difícil porque muitas vezes soltamos um “deixa disso” mental e continuamos a sorrir, compartilhar a mesa do bar e conversar com os pegadores de novinhas (machistas, homofóbicos, etc) que conhecemos. Seguindo o passeio, vamos agora para alguns dos comentários de outros brothers e sisters sobre a briga dos dois:

Brother desconhecido: – Relaxa!
Ana Paula: –Ah, com um tarado? Relaxar?

Ronan: – Ana, você fez bafão!
Ana Paula:- Não era pra fazer não?

A menina surtou. Laerte para Daniel.

Ana Paula:- Ele namora com uma mulher de 16 e outra de 17.
D. Geralda:- Mas isso é problema dele.
Ana Paula:- Mas ele falou abertamente.

Não quer ser olhada não venha pro BBB. – Sister que eu não sei o nome.

Bola pra frente. Considere essa primeira informação: a televisão e o real constroem um ao outro, mas enquanto sujeitos temos autonomia e não somos simplesmente alterados pelos produtos da TV. Afinal de contas, eu nunca quis a filmadora mais querida do Brasil, e eu vi muito esse comercial, mas meu pai já cogitou comprar uma, pra usar aqui um exemplo bem bobo. O que eu estou querendo deixar claro é que o efeito de um texto/imagem depende muito de como constituímos o sentido de algo em nossas mentes (Profundo, né? Acho que li algo assim em Berger). Acrescente essa segunda: Mas a TV não é assim tão inocente, porque ela, como qualquer outra mídia escolhe como contar/mostrar algo. E essa estratégia é a chave do poder de alienação dos meios. Mas repito: não precisamos ser submissos. Basta sempre se perguntar “Rapaz, será que isso é assim mesmo? O que não está sendo mostrado?”. Receita básica que sigo pra não me enganar com o brilho e achar que caco de vidro é diamante.

Vendo os vídeos da página do BBB a primeira coisa que pude perceber foi a história que vai sendo contada através da seleção de momentos feita pela emissora. Lá o Laércio é um cara pacífico e a Ana Paula é uma pessoa que queria aparecer. Durante a fase pré paredão ele medita e se isola, chora ouvindo rock. Ela ri com amigos (sem peso na consciência, mas porque teria não é mesmo?). Mas quem viu o reality viu também que o Laércio é um cara que acha engraçado ser chamado de pedófilo, e que corrige. Afinal de contas o termo certo é “Efebólico”, segundo ele.

Chegamos então na grande questão: A culpada disso é a Globo? Esse programa ainda deveria estar no ar? Vou começar pela segunda. Quem diz isso é a audiência, enquanto as pessoas estiverem vendo e os patrocinadores estiverem felizes, acredito que ainda veremos muita edições do BBB. Já a primeira questão é mais complicada. Seria mesmo a Globo o lobo que se disfarça pra atacar os cordeiros? É inocência dizer que não existe manipulação nessa emissora (ou em qualquer outra), mas será que resolveríamos nossos problemas se a Globo simplesmente saísse do ar? Acho mesmo que não. Esse texto aqui, (assim como vários outros sobre tal caso) só existe porque a Globo mostrou essas imagens. Deveríamos estar muito mais preocupados se isso não estivesse repercutindo nas redes sociais do modo como está. A mesma emissora que deu espaço ao Laércio, deu espaço a Ana Paula (talvez de forma igualitária). Essa mesma emissora tem produtos como Malhação que leva aos jovens centenas de textos/imagens educativo-sociais nos últimos vinte anos (Só nessa temporada a narrativa tem falado de AIDS, Racismo, gravidez na adolescência, primeira vez, é claro que ela nem sempre acerta). É a emissora do primeiro beijo entre dois homens na TV aberta brasileira, a emissora que exibiu um casal lésbico na terceira idade, mas também é a emissora do estupro de Cecília e que nos apresentou Angel.

Precisamos ainda considerar que a TV aberta é gratuita (“mas a gente paga vendo comercial” Sim, sim!) e é quase sempre, o único meio de acesso a produtos culturais da maior parte da população brasileira. Então a Globo, a Record ou qualquer outra emissora, são males necessários. E, ouso dizer, causam mais bem do que mal, embora tenham potencial igualitário para ambos. Ou seja, o buraco é mais embaixo. Mas não é porque é pública que vai ser de qualquer jeito, né? Sim, sim. Você tem toda razão meu subconsciente, deixo então o seguinte: Precisamos sim lutar para que sejamos melhores representados, pelo acesso a uma melhor qualidade da produção televisiva, por um jornalismo com menos maquiagem, e por aí vai. Tem muita coisa de errada na TV, mas como já bem diz o título de um artigo de Muanis, publicado na Matrizes (Revista da USP): “A pior televisão é melhor que nenhuma televisão”.

De volta ao BBB, tem uma coisa boa sobre o formato desse programa, o fato de que a narrativa é construída pelo público (idealmente), então o capítulo seguinte foi favorável: Laércio saiu do BBB mostrando que pedófilos (ou efebólicos, vai que dá processo) não serão recompensados/tolerados. Mostrando que o público também pode “surtar”. Se a Ana Paula saísse, ai teríamos menos uma vitória pro feminismo e mais um ponto pro machismo, pra essa cultura onde dizer a verdade e se incomodar com o assédio é também ser taxada de chata e várias outras coisas menos agradáveis aos ouvidos. Resta ainda um alerta: Ouviu o que o Bial disse sobre “lolitas e Anitas”? Estamos de olho na romantização da pedofilia.